
A velha economia x Nova economia
O professor italiano Domenico De Masi (1), recorda nos que os dinossauros, provavelmente, foram extintos porque não eram educados. O ovo se abria, a prole gerada já era autônoma e, portanto, não era educada pelos genitores. Cada dinossauro recomeçava do zero.
Com um pouco mais de sorte, os sapiens nascem e são protegidos e educados pelos seus genitores. Uma boa parte do conhecimento acumulado ao longo de gerações é cunhado e transmitido. Essa transmissão do conhecimento foi essencial para a sobrevivência, dominação das demais espécies e até a dominação de outros indivíduos da mesma espécie.
Essa evolução foi sensível, sendo percebida uma evolução um pouco mais acentuada a partir das revoluções industriais e tecnológicas. A Lei de Moore(2) ajuda-nos a entender a transformação das organizações fundamentada na evolução tecnológica. Essa evolução é percebida no valor de mercado de empresas como Google, Amazon, Mercado Livre e outras.
Em detrimento dessas evoluções, temos as necessidades humanas (fome, afeto, conforto, etc), que são as mesmas desde sempre. Essas necessidades são primitivas e não evoluem. Apenas são saciadas de forma pontual.
Portanto, no centro das soluções tecnológicas temos o ser humano (cliente, vendedor, comprador, prestador de serviços, empregado, empreendedor, entre outros agentes). Ninguém faz negócio de CNPJ para CNPJ, mas sim de pessoa para pessoa. Pois pessoas nascem, consomem, pagam tributos, fazem negócios e morrem).
Como o ser humano é o centro ou ao menos é o motivo pelo qual existem as organizações, deve ser inserido no contexto da inovação, pois é o responsável pela adaptação e transformação ao longo do tempo. Essa adaptação à contínua busca por mais, melhor, mais rápido e por menos talvez venha a ser a mais progressiva ou escalonada da história.
Como disse Charles Darwin (3): “não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente. Quem sobrevive é o mais disposto à mudança”. Essa dimensão de mudança é cada vez mais perceptível e implementada em todos os níveis das organizações. Pessoas que realizam tarefas repetitivas são convidadas à mesa da inovação ou condenadas ao ostracismo profissional.
Pensar em desenvolver uma atividade repetitiva por anos sem apontar melhorias de performance e processo é uma questão impensada para algumas organizações. A sobrevivência dessas organizações é constantemente monitorada por indicadores de market share, valuation, ROI, EBITDA, índice de liquidez que faz com que as ações de transformação cheguem mais rápido e atinja também aqueles que só apertavam o parafuso. Estamos na era das empresas, de todos os tamanhos, obcecadas por entregas mais rápidas de resultado.
Nesse contexto de novos desenhos organizacionais o entrave da transformação digital está na questão de mindset(4) que pode representar a forma como cada indivíduo reage a essas provocações e apresentação desse novo mundo Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo (VUCA)(5).
As empresas não podem programar, por exemplo, um empregado para falar bom dia ao atender um cliente, mas pode programar um totem de atendimento para passar a mensagem de bom dia para o cliente no início ou no fim do atendimento. Definindo que o bom dia é uma parte importante do processo para assegurar a qualidade no atendimento, qual dos meios empregados será mais efetivo?
As questões voltadas ao ser humano só podem ser desenvolvidas com a ambição de investimento em treinamentos que promovam a melhoria contínua. Um eterno ciclo de PDCA(6), metodologia de experimentação, aprendizado e interação entre os indivíduos. Desenvolver as competências adequadas por conta da autonomia cada vez maior de cada grupo (squads) para evoluir e identificar o melhor caminho para a busca de soluções.
As empresas tem um papel fundamental neste processo de inserção do profissional em um ambiente mais inovador, integrado e seguro, mas também o indivíduo tem um papel ainda mais importante para se abrir ao novo, buscar fontes de inspiração dentro ou fora da organização e se comprometer com a busca da melhoria continua para si e para a função que executa. Afinal, o indivíduo é o único responsável pela própria carreira.
Para ajudar tanto as organizações quanto os indivíduos nesta busca de quebra de paradigmas, listei cinco pontos que pareçam sutis, mas que podem ajudar na condução para fora da caverna:
- ERRO x APRENDIZADO
Errar faz parte da natureza humana. E negar essa natureza pode ser um equívoco muito grande das organizações e do indivíduo. Salvador Dali (7) estava certo ao dizer: “Não tema a perfeição, você nunca vai atingi-la”. Em suma, ninguém quer errar, mas vamos errar. E devemos partir dessa premissa para não buscar um culpado e sim focar na solução com a geração de aprendizado, definindo processos e treinamentos.
Com isso, perdemos menos tempo justificando o erro, o que faz com que ninguém saia do lugar. Devemos partir para a melhoria contínua pondo o erro na mesa. Erramos, a pergunta que vem na sequência seria: Como faço para não errar mais neste ponto? Ou por que não: Como faço para errar menos nesse ponto?
Não se envergonhe do erro, mas se preocupe em não ter aprendido com ele.
- CARREIRA x BUSINESS
Muitas pessoas passam boa parte das suas vidas profissionais encarando uma relação funcionário x organização. Mas a partir do momento que as empresas passam a procurar o funcionário com a visão e mentalidade de dono, que nada mais é do que entender o propósito da organização, entender como ela se desenvolve e o engajar naquilo que ela precisa para se desenvolver, esse indivíduo ganha autonomia e tem condições de atuar em qualquer organização.
Lembre-se que todas as organizações estão em desenvolvimento, assim, como cada um de nós, e por isso todas tem problemas. Portanto, se você não faz parte da solução, faz parte do problema.
Equação para o sucesso: missão insurgente + obsessão com a linha de frente + cabeça de dono = sucesso.
- OBJETIVO x PROPÓSITO
É comum a confusão entre propósito e objetivo, mas a taxonomia entre as duas são completamente diferentes. Objetivo são vários projetos que temos ao longo da vida. Abrir uma empresa, comprar uma casa, escrever um livro. Mas propósito é o desígnio de uma pessoa, ou seja a razão de viver (vivo para cuidar dos filhos, para ajudar os sem tetos, para recolher animais de rua, para promover a educação financeira) e também o razão de ser das organizações (ser a referência na prestação de serviços, entregar o produto com mais qualidade e menor preço, etc).
Os objetivos mudam, o propósito permanece. O propósito do Google, por exemplo, é famoso e desafiador: “Organizar as informações do mundo e torná-las mundialmente acessíveis e úteis.”. E esse propósito fez com que o Google atingisse o valor de mercado maior do que o PIB brasileiro.
E por que o propósito é importante? Se o Google não tivesse esse propósito bem definido, possivelmente, as diversas equipes diriam sim para todos os tipos de projetos, sem, no entanto, focar no propósito que é a maior razão de existir da empresa.
Por isso, fica a dica. Você pode até não ter um propósito de vida estabelecido neste momento, mas uma vez que vestiu a camisa de alguma empresa, busque conhecer o propósito da organização e se envolver na jornada, certamente você será mais assertivo e tem mais potencial de sucesso.
As organizações precisam compartilhar de forma clara, simples e transparente o propósito com os diversos níveis hierárquicos, a fim de converter todos os envolvidos para uma única direção e esforço.
- PREÇO x VALOR
Esta questão está ligada ao que o produto ou serviço pode trazer de experiência para você. Neste sentido, podemos citar, por exemplo, por que temos uma bolsa de R$ 100,00 e outra de R$ 5.000,00. Se pararmos para analisarmos os materiais empregados na produção de cada uma, não veremos justificativa para a diferença de preço. Esse caso é explicado pela construção da marca e toda a experiência e status que a bolsa trouxe ao seu consumidor.
Na prestação de serviços, esse conceito fica muito mais visível, já que você não adquire um bem físico, mas contrata o serviço pela referência, pela dimensão do problema e por acreditar que o prestador vai solucionar o vazamento, anular a autuação fiscal, elaborar um software personalizado ou até mesmo promover métodos promissores de ensino aos filhos.
Diante disso, preço se refere ao dinheiro que damos por algo, ao seu custo. Já o valor está ligado a percepção de preço, ou seja, a toda qualidade, talento e credibilidade incutida em um serviço ou produto.
Trazendo esta questão para cada profissional, imagina que um profissional ingressou na empresa há 10 anos. Ele executa a mesma rotina mês a mês. Por isso, o resultado da experiência dos últimos 10 anos não é a soma de todos os anos, mas é a repetição de um ano após outro. Neste caso ele gerou valor para a empresa ou só trocou o tempo dele por um preço?
Se você tem as pessoas erradas, não importa se você descobriu a direção certa, mesmo assim, não terá uma empresa excelente. Uma grande visão sem grandes pessoas é irrelevante.
- BUSINESS PLAN x MVP
Quanto tempo gastamos traçando planos ou simulando as diversas possibilidades de desafios, custos, riscos, tempo de desenvolvimento e outras questões que permeiam um novo objetivo? Muitos planos acabam apenas no papel, uma vez que a viabilidade de ter um produto finalizado e pronto para o mercado é o resultado que toda a empresa almeja.
Precisamos lembrar que nem a Coca Cola, que é centenária, está pronta para o mercado. Tem açúcar demais, conservantes demais e outros itens que podem prejudicar a saúde. Partindo desse princípio, o conceito de MVP (Produtos Mínimos Viáveis) prioriza mais o contato com o cliente e as expectativas que esse cliente busca no produto do que o plano de negócios.
Desta forma, antes de construir um veículo vermelho, verifique se o seu cliente ou líder precisa de uma motocicleta, pois o carro pode até estar pronto do conceito de mercado, mas pode não ter o público e a demanda adequada.
O conceito do Eric Ries(8) é: construir – medir – aprender. A atividade fundamental de uma empresa é transformar ideias em produtos, medir como os clientes reagem, e, então, aprender se é o caso de pivotar ou perseverar. Todos os processos bem-sucedidos devem ser voltados a acelerar esse ciclo de feedback.
Esses cinco pontos são alguns de muitos outros que denotam uma sensibilidade em perceber as mudanças e dar as respostas condizentes com a nova realidade. Alienar-se é rejeitar as mudanças e o próprio futuro. O futuro pertence a quem souber libertar-se da ideia tradicional do trabalho como obrigação e for capaz de apostar numa mistura de experimentação, realização, tentativa e desenvolvimento.
Por fim, entre as atividades que realizamos com o cérebro, as mais apreciadas e mais valorizadas no mercado de trabalho são as atividades criativas. A espécie humana está realizando uma dupla passagem: da atividade física à intelectual e da atividade repetitiva à criativa.
Davidson Farah
É sócio da empresa GAM Tax Intelligence – Advogado e Contador.
De Masi, Domenico; Entrevista a Maria Serena Palieri. O Ócio Criativo, Sextante, 2ª Edição, 2000.
2 A lei de Moore surgiu em 1965 através de um conceito estabelecido por Gordon Earl Moore (IBM). Tal lei dizia que o poder de processamento dos computadores (entenda computadores como a informática geral, não os computadores domésticos) dobraria a cada 18 meses.
3Charles Robert Darwin, foi um naturalista, geólogo e biólogo britânico, célebre por seus avanços sobre evolução nas ciências biológicas.
4 Mindset é a configuração da mente, um conceito que busca entender a predisposição psicológica de uma pessoa que prioriza determinados pensamentos e padrões de comportamento para, então, propor e desenvolver uma nova abordagem.
5VUCA é um acrônimo para descrever quatro características marcantes do momento em que estamos vivendo: Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade.
6 PDCA é um método interativo de gestão de quatro passos, utilizado para o controle e melhoria contínua de processos e produtos.
7Salvador Dalí foi um importante pintor espanhol, conhecido pelo seu trabalho surrealista. O trabalho de Dalí chama a atenção pela incrível combinação de imagens bizarras, oníricas, com excelente qualidade plástica.
8Ries, Eric. A STARTUP ENXUTA, The Lean Startup. Como os Empreendedores Atuais Utilizam a Inovação Contínua para Criar Empresas Extremamente Bem Sucedidas.
9Pivotar significa dar uma guinada no rumo de um negócio que não está tendo o sucesso esperado, com base na própria experiência adquirida com ele. A palavra pivotar é um neologismo derivado do verbo em inglês “to pivot”, que significa girar.